quarta-feira, 18 de março de 2009

Clodovil

Quando eu era pequena o Clodovil era a única referência que eu tinha sobre o que era ser gay. Ele tinha um programa na TV no qual ele desenhava ao vivo uns modelitos para as telespectadoras. Era incrível aquilo! Ele tinha um estilo de fazer uns rostos angulosos, sem detalhes dos traços. Depois ele coloria e assinava. Aquilo era extremamente cool!

Eu acho que rolavam umas entrevistas e ele falava de um jeito super afetado que, me lembro, eu identificava como diferente dos outros homens. As pessoas falavam que ele era 'bicha'. O que pra mim não queria dizer muita coisa.

Eu não me lembro exatamente de ter perguntado isso, mas sei que foi minha mãe quem me ensinou: bicha é um homem que queria ser mulher. Ok, vai. Eu tinha uns 6 anos, não ia entender mais do que isso. Como naquela época eu ainda achava que as mulheres eram mesmo mais legais, eu de fato simpatizava com um homem que legitimasse isso. Ah, tá! O cara quer ser mulher, então? Beleza! I understand that. I respect that. Eu curtia o Clodovil.

Mais tarde, quando as questões de gênero entraram na minha vida explicitamente e acabaram com meu sossego, lembro que bicha não era mais um conceito de valor neutro. Era pejorativo e usado pra encher o saco dos meninos. Se você queria irritar um moleque era só virar a mão pra trás (ainda se usa o termo desmunhecar?) e dizer assim: "Hmmm Clô!" Era briga na certa.

Então o Clodovil meio que sumiu (pelo menos da minha vida) por muitos anos. Aí ressurgiu num programa de entrevistas que, se não me engano, chamava "Clô, para os íntimos" e ele mandava os convidados olharem para a câmera da verdade para responder perguntas indiscretas. Uma das vezes o convidado era o Supla, na época que ele não era pop ainda, ele era metido a querer ser mal elemento. Foi pelas tantas esse menino me sobe na mesa ou na cadeira e grita pro Clodovil: "Pô! Axim não dá! Voxê não me deixa falar!"

Depois disso tenho vagas lembranças sobre Clô. Aparecia no meu radar bem esporadicamente: acho que ele brigou com algum canal de TV, a casa dele saiu numa revista de decoração (o banheiro tinha um vaso sanitário no meio de um jardim), ele passou a ser enxovalhado pelos imbecis daquele programa pseudo-humorístico, ele era dono de um apartamento no predinho mais charmoso da Av. República do Líbano (aquele coberto de hera), depois virou candidato a algo, elegeu-se, falou umas pataquadas. E agora morreu.

Nunca soube que tenha feito mal pra ninguém.
Que descanse em paz.
Ou que brilhe no céu como uma estrelinha. Ou como purpurina.

***


19/03

5 comentários:

mélis disse...

Purpurina, com certeza!

na casa, eu sei que ele ensinou a 'fraulein' a passar à ferro aquela parte da dobra do lençol que fica a mostra na hora de arrumar a cama. phino, Clô.

achei muito muito doce o seu post.

calenza disse...

vai escrever bem assim lá no ia e vinha...
bja

Thunderstorms, dreams and conversations disse...

Ai que bonitinho eu gostava dele, assim também como gostava da Dercy, eu fiz um post pra ele, mas não tão legal quanto o teu... u r sweet.

giacca, synbad, tchuca... disse...

este post me fez aumentar a simpatia pelo clodovil. nunca tive muita, mas lembrei dos desenho na infância e de ele ser uma personalidade muito mais admirada pelas mulheres que por homens.

Plinio Bolognani disse...

Adorei o post.

Tambem nunca tive nada contra e achava da hora quando ele falava as "verdades" direto na cara das pessoas.

e para descontrair:

me disseram que na lapide dele tem um escritinho que diz:

"Vai procurar vazo em outro lugar, esse é meu" ... tsããã (hahahahahaha)